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Lutos incômodos

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Violeta, minha filha, é difícil pra mim me comunicar com vc dessa forma. No seu pouco tempo aqui nesse mundo vc deve ter percebido que mamãe é bem concreta e material: não acredito em missões divinas que vc veio trazer, não acredito em vida após a morte. Talvez fosse mais facil se eu acreditasse nisso tudo, pelo menos veria uma razão no seu tempo ter sido tão curto aqui com a gente. Mas não, foi uma fatalidade. Carregada, é fato, de capitalismo, produtivismo e terrorismo médico, patologizacao do parto, violência obstétrica... e machismo, também. Por isso uma das formas de te homenagear é seguir na luta por um novo mundo, onde mulheres e crianças possam ser respeitadas e tenham direito ao futuro. No entanto me parece poético conversar com vc como se vc estivesse num outro plano, como se tivesse virado uma estrela, como se fosse um anjinho que desceu carregando essa breve missão na terra. É contraditório, eu sei, mas é minha forma de seguir também. Talvez possa parecer um pouco egoísta,

Com medo mesmo

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  [05/12/2022] Filho, hoje é um dia de alegria, o dia que o sol brilhou pra mim há 4 anos, que a tempestade finalmente deu trégua, que o arco-íris riscou o céu, que eu pude viver momentos de alegria como eu achei que não viveria de novo.  João Pedro, vc chegou tão alegre e radiante, um ser que ilumina, conquista a todos em todos os lugares onde chega. Uma pessoinha sensível, do sorriso cativante, cheio de personalidade, das palhaçadas e das respostas na ponta da língua. Desobediente como a mamãe te ensinou a ser, questionando, argumentando e negociando os nossos combinados. Então quero te pedir perdão, filho, porque vc merece toda a minha alegria e, nesses últimos dias, mamãe está meio pra baixo. Vc sabe, a mamãe é intensa, como vc também parece ser, talvez vc seja dos poucos que podem entender. Precisamos viver tudo, sentir tudo, não é mesmo? A vida deu umas reviravoltas e está sendo desafiador pra gente se adaptar. As vezes mamãe está triste, as vezes irritada, as vezes me esqueço do

"Esse ano eu não morro"

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  Foi numa terça de carnaval que eu morri. E desde então morro um pouco todos os anos. E mesmo parcialmente morta, vivi. Chorei, gargalhei, odiei, sofri e amei. Senti. Renasci. E desde então morri mais um pouco. Me perdi e me encontrei, reencontrei e desencontrei. Emergi e submergi. E desde então mergulhei fundo - como sempre, fundo demais - no limite de me afogar. Eu pari a tempestade e o arco-íris: eu controlei o tempo. Escalei a montanha mais alta, cheguei na beirada do abismo, e retrocedi. Nada mais pode me matar. "Esse ano eu não morro"

O filho de mil homens - Valter Hugo Mãe

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O desejo pela aldeia

Não lembro a primeira vez que me imaginei como mãe. Sei que se misturam às lembranças dos contos de fada e brincadeiras de princesa... Mas lembro bem a inauguração de um desejo físico, na pele (chamado biológico chamam, né?)... Quando amei pela primeira vez aos 18, compartilhando sonhos e percebendo a potência do amor que pode extravasar de si, veio a sensação de que aquele amor não cabia em duas pessoas, precisava explodir em mais uma. Acabou que como a maior parte das histórias de primeiro amor, ela teve um fim e não fecundou mais que um par de anos de muitas boas lembranças. Mas o desejo da maternidade seguiu. E se intensificou nos anos seguintes, na convivência com crianças pequenas, em especial com irmãos por parte de pai: percebi o encanto de poder revisitar o mundo com novos olhos, aproveitar os pequenos dedinhos que apontam para todos os lados para poder redescobrir a vida. E, então, passada a infância, a adolescência e a adultescência, quando fui organizando minha vida de mulh

"Violeta"

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U m dia estava sentada na sala assistindo TV e o meu companheiro chegou em casa da aula de saxofone: "amor, já sei qual vai ser o nome da nossa filha". A gente nem ia ter uma filha, nem pensávamos em ter filhos, então só ri da cara dele. Mas me apaixonei de cara: Violeta (a inspiração foi a Violeta Parra, cantora e compositora - e muito mais - chilena). Era um nome que eu daria pra uma filha se um dia pensasse em ter. Se passaram algumas semanas, eu comecei a sentir muito enjôo, achei que era da gastrite, mas depois de umas três semanas enjoando e quase sem conseguir manter minha corrida diária, desconfiei e cheguei em casa com um teste de farmácia. Dessa vez foi ele que riu da minha cara. Deu positivo. Ele foi até a farmácia comprar outro, que mostrava aproximadamente quantas semanas: 3 ou mais... Foi uma loucura. A gente sabia que isso poderia acontecer, afinal tinha parado de tomar pílula fazia mais de seis meses e camisinha não era nosso forte, mas não foi alg

nossa aldeia materna

 " É  preciso uma aldeia inteira para educar  uma criança" - Provérbio africano e nossa constatação empírica e luta diária.